Um certo Saramago... por Lustosa da Costa

Posted: segunda-feira, 21 de junho de 2010 by Cláudio Canadá in
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"Quando li 'Memorial do Convento' em fins de 1985, deslumbrei-me. Fiquei macaco de auditório de José Saramago. Não sosseguei enquanto não o conheci. Numa ida a Lisboa, em Julho de 1986, acorri ao restaurante Varina da Madragoa onde sabia que o grande romancista almoçava. Pedi ao garçom me avisasse de sua chegada. Fiquei esperando. Nada. Até que interpelei o serviçal:

'Cadê o homem?' Ele me apontou cavalheiro alto, magro, elegante que comia, sozinho, em sua mesa: 'É aquele gajo acolá'. Vejam leitores, um dos maiores escritores do mundo, o futuro Nobel da literatura, era, aos olhos do serviçal, um freguês a mais, diferençado dos outros talvez apenas pelo tamanho, maior ou menor da gorjeta. Pois bem, invadi sua privacidade, falei do impacto que sofri ao ler seu livro e o convidei a vir à minha casa. Por duas vezes, deu-me a honra de jantar conosco, aqui em Brasília, na 105 Sul, eu, sempre atento às frases imortais que perpetrasse e nada. Gostou de sorver o 'Porca de Murça' (“sendo português pode ser não seja falsificado”, observou) e reclamou da pouca venda de seus livros, no Brasil.

Quando lhe falei que fico muito inseguro em Roma, replicou: 'Pior é aqui'. E contou de como, numa de suas primeiras viagens a S. Paulo, ao sair do hotel, foi assaltado por um vadio que, inesperada e violentamente, lhe enfiou a mão no bolso, rasgou-o e dele tirou o dinheiro que ali guardava. Tudo isto em fração de segundos. Só disto, pobre colheita, me lembro.

Noutra feita, fui a Lisboa e ele nos levou a jantar no Cafe Versailles.

Isto antes de ser agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.

Tenho muito cuidado em não usar o santo nome das pessoas em vão. De me gabar da amizade de olimpianos, de gente tão importante quanto o saudoso escritor luso. Qual não foi minha alegria ao encontrar, nas paginas do Caderno de Lanzarote, referencia simpática ao jantar na casa de velhos amigos, eu e minha mulher.

Ele partiu, deixando livros imortais. E uma lição de coerência e de generosidade que jamais poderá ser esquecida. José Saramago honrava o gênero humano."

Lustosa da Costa

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